Dia da Consciência Negra provoca reflexão no TRT5

 

 

O Dia da Consciência Negra suscita o debate na comunidade do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5-BA) e, por isso, o Portal TRT5 ouviu diversas opiniões sobre o assunto, inclusive sobre o Estatuto da Igualdade Racial, que completou este ano cinco anos de existência, o racismo no mercado de trabalho e em outros ambientes, e as políticas públicas para integração social. Veja abaixo:

 

 

 

Agenor Calazans da Silva Filho - Juiz titular da 25ª Vara do Trabalho de Salvador

 


O Estatuto da Igualdade Racial é um marco simbólico da luta pela redução da desigualdade. Os avanços vêm ocorrendo ao longo do tempo, mas de modo muito tímido. O Estatuto, por ser ato normativo, expressa que a autoridade (o Estado) reconhece a necessidade dessa luta. Comemorar cinco anos do Estatuto é também atitude de simbologia a significar que a luta continua. E não é uma luta de raças, nem de pessoas de uma cor contra pessoas de outra cor. O embate não se trava entre etnias, mas entre o passado e o futuro. Precisamos reparar os erros ou reduzir os efeitos dos erros do passado para que possamos ter um futuro mais harmônico. Atitudes concretas são necessárias a fim de que se forme consciência firme da igualdade.


O aparato de proteção existe, mas não se revela eficaz. De fato, tantas ilicitudes ocorrem que as autoridades policiais enxergam o racismo como algo de menor potencial ofensivo. O aparelho judicial passa pela mesma dificuldade sem contar que, não raro, essas funções de investigação e processamento são exercidas por pessoas que valorizam muito, não valorizam ou até desvalorizam as ocorrências. Há autoridades policiais e judiciais que entendem que racismo não existe! A Justiça do Trabalho, por ter feição mais social, tem tendência a uma apurada verificação de denúncia de discriminação, mas não ao racismo por ser racismo e sim por haver atitude de discriminação.


O empregado que se sinta discriminado em razão de racismo deve denunciar. Quando o racismo é praticado por seu colega, deve denunciar ao patrão, mas também às autoridades públicas. O problema está quando o racismo se vê na atitude do empregador, pois quase sempre o trabalhador não pode prescindir do seu emprego, e é sabido que sem proteção do emprego o patrão é livre para dispensar o empregado por denúncia vazia (por nada)! De todo modo, ainda assim, o caso é de denúncia perante autoridade policial para apuração do crime, e de ação perante a Justiça do Trabalho para rescisão do contrato por despedida indireta e reparação por dano moral.


Já presenciei prática de racismo e já fui e tenho sido alvo de preconceito. Por vezes o preconceito é deliberado, em tentativa de ofensa. Por vezes é involuntário, sem intenção alguma de ofensa (é apenas preconceito, sem chegar a configurar racismo). Por vezes o racismo se revela em atitudes disfarçadas de brincadeiras.

 

Certa feita, num prédio em que eu morava, uma pequena confusão sobre o uso da garagem resultou no arremate da vizinha inconformada: "isso é coisa de negro mesmo". Não era coisa de negro, era coisa do vizinho dela, de uma pessoa. Foi racismo e teve intenção de ofensa (sim, intenção de ofensa, pois não me ofende quem me chama de negro, neguinho ou preto, mas a Lei coíbe é a intenção de ofensa). A vizinha foi devidamente processada, posteriormente se retratou e eu me dei por satisfeito.


Sempre que vou ao Shopping Center de paletó e gravata, principalmente se estiver trajando roupa azul marinho, sou abordado por pessoas que me perguntam onde fica a loja tal ou qual na suposição de que seja eu um agente da segurança do Shopping. E eu informo quando sei. Trata-se de preconceito, mas as pessoas não fazem isso na intenção de discriminar ou de ofender.

 

A correção da curva da desigualdade exige atitudes concretas. Não basta dizer que cada um que "se vire" e se prepare e obtenha qualificação. A depender disso as oportunidades continuarão sendo menores para negros e, portanto, quem sabe mais outros quinhentos anos decorrerão e continuaremos vendo a maioria das pessoas de pele preta nos bolsões da pobreza.

 

Avalio positivamente a política de cotas. Decerto que não se pode ter por expectativa que política assim seja algo perene. Haverá de chegar o dia em que essa política se revele desnecessária. É preciso que as pessoas se acostumem com a convivência de diversos. Então, quando numa Faculdade há razoável número de professores e alunos de todas as cores, não haverá porque qualquer grupo de qualquer etnia possa estranhar. Quando nos cargos de comando haja pessoas de todas as cores não haverá ambiente para discriminação. As cotas impõem a convivência. As cotas não reduzem o conhecimento mínimo para o ingresso de alunos negros nas Faculdades, pois as provas do Vestibular ou do Enem (critérios de acesso) são exatamente as mesmas. O que há é reserva de vagas, mas para quem obtiver nota suficiente à aprovação no mesmo concurso a que todos se submetem.


 

 

Viviane Maria Leite de Faria - Juíza titular da 37ª Vara do Trabalho de Salvador

 

Ainda é muito grande a discriminação, e isso pode ser observado na dificuldade que os negros encontram para inserção no mercado de trabalho. Essa diferença tem origem já na ausência de capacitação profissional e na precariedade da educação oferecida à população carente.

 

Salvador, em que pese ser a cidade com a maior população negra do país, ainda tem atividades que não são exercidas por negros, até mesmo por restrições veladas, como aquelas referentes ao tipo de cabelo ou outras particularidades do biotipo ou culturais. Por outro lado, precisamos ter uma ampliação da participação da população negra também no serviço público.

 

Na Justiça do Trabalho, chegam comumente conflitos que têm como pano de fundo a discriminação, tanto  racial como de outras formas, e o mais comun é associar a cor a uma característica negativa.

 

O mais importante é criar estruturas permanentes - na educação e na capacitação - para que os jovens, principalmente de famílias pobres, tenham oportunidade de concorrer em todas as áreas do mercado de trabalho.

 


 


José Francisco Barbosa de Araújo, diretor da 26ª Vara de Salvador

 

O Estatuto da Igualdade Racial pouco ou quase nada avançou quanto ao respeito ao ser humano,direitos e tratamentos igualitários. Temos muito que melhorar e não é só uma lei que vai mudar o comportamento desrespeitoso para com o semelhante. Isso tem que ser ventilado desde cedo em casa e na escola, para que  as pessoas se sintam iguais, independentemente da cor da pele. O que precisa mudar é o respeito.

 

No trabalho, acredito que as pessoas já estão mudando esse comportamento, tendo alguns cuidados, somente porque podem sofrer processos de danos morais na Justiça do Trabalho ou na Justiça comum. Só por isso, e não por uma questão de conscientização. As vítimas devem denunciar, mas perdem o emprego se assim o fizerem e ficam sem poder agir.

 

Já vivenciei e sofri a discriminação na própria pele e na alma, com frases  como: "seja preto, mas não seja burro", "só conheço duas coisas pretas que prestam: café e pelé" e virava motivo de gargalhadas de quase todos. Como não tinha consciência, deixava passar e olhe que isso vinha de uma pessoa de cor mulata.

 

Sofro por ter estudado e ter uma condição financeira melhor que muitos brasileiros, independentemente da cor. Por isso sempre passo como porteiro do prédio de onde moro e por aí vai. Não me sinto encorajado a enfrentar a Justiça quando sou discriminado, maltratado, pois você é duplamente humilhado quando busca apoio em uma delegacia. Eles já têm tantos crimes que nem dão tanta importância para racismo e injúria.

 

 

 

Marcelo Souza Duarte, servidor da 3ª. Turma

 

O Estatuto da Igualdade Racial trouxe avanços importantes e é importante marco legal. É o reconhecimento estatal de que são necessárias políticas públicas que tratem os desiguais de forma desigual como fator de justiça social.

 

A luta agora não é mais por direitos, mas pela sua efetividade, por orçamento e recursos, pela criação e ocupação de espaços institucionais, secretarias, órgãos especiais, por implementação de programas, para que políticas públicas específicas saiam do papel.

 

Um ponto marcante nessas ações afirmativas do estado é a política de cotas para acesso tanto às universidades, quanto ao serviço público. Contudo, são políticas sociais compensatórias, que visam atender demandas emergentes, devendo ter um período de duração para sua aplicação, enquanto uma política estruturante resolveria o problema na causa, na origem.

 

Outros avanços são o reconhecimento e o apoio às comunidades quilombolas com demarcação de terras, programas e recursos. Há avanço ainda em termos religiosos, com uma maior proteção dos cultos e sítios sagrados, sobretudo ante a intolerância religiosa existente em nosso país.

 

A cor, as formas do rosto, do corpo, o cabelo, a cultura, repulsivas para algumas pessoas, mas nunca admitida publicamente. A questão identitária, o imaginário, se eu falo negro o que primeiro lhe vem a cabeça? Como são as imagens que possuem negros?

 

Por outro lado, não creio que os empregadores ou mesmo os sindicatos estão preocupados com a questão da discriminação. Penso que o Ministério Público existe com essas funções. Creio que o TRT5 deveria envidar esforços no sentido de dialogar com os lideres do movimento negro local, para estudar possibilidades de políticas afirmativas em seu âmbito.

 

Acho que a contratação, pela Justiça do Trabalho, de estagiários das escolas públicas de Salvador é medida de inclusão social dessa população, vez que é a população negra dessa cidade estuda nessas escolas.

 

O racismo ainda está presente na cultura e precisamos extirpá-los, pois o conjunto significativo e imagético que uma palavra evoca, é algo poderoso, primeiro era o verbo, depois veio a porrada.

 

É preciso fazer muito, pois são negros a maior parte da população carcerária desta cidade. São negros os jovens assassinados nas periferias de Salvador, não raro, mortos por prepostos do mesmo Estado que propõe políticas afirmativas. São negros os moradores dos bairros violentos. Negros com menos salário, piores empregos...

 

 

 


Anália Maria Passos de Oliveira, prestadora de serviços na Administração do Fórum (Comércio)

 


Nos últimos anos, houve avanço, mas ainda existe preconceito contra o negro e vemos isso a todo momento. Não obstante ja possamos denunciar, gritar, acionar através da Justiça, falta a conscientização das pessoas para o respeito, independente de cor, credo, posição social ou profissional.


 
Não percebo um aparato consistente para assistir a vítima de racismo, porém, vejo um número maior de pessoas, servidores ou não, que aparentemente não desrespeitam o negro acintosamente.

 

Já sofri situações de discriminação racial quando trabalhei num centro médico e fui demitida por conta das minhas tranças. No TRT nunca presenciei ou sofri discriminação.


 
Avalio positivamente programas de ação afirmativa, visto que esse é o caminho para que as pessoas respeitem-se mutuamente, criando ambientes mais seguros para o desenvolvimento pessoal.

 

 

 


Luciene Pinto Santos, prestadora de serviços na Diretoria-Geral

 


Acredito que não houve muitos avanços desde que o Estatuto da Igualdade Racial foi criado. É preciso que homens e mulheres negras estejam juntos nesta caminhada, pela consciência da riqueza e da diversidade racial. Nunca passei por uma situação de racismo, mas já presenciei em lojas e no transporte público. É claro, no entanto, que existem pessoas que demonstram respeito.

 

Considero os programas de ação afirmativas muito bons, para que o povo tenha consciência e que haja respeito, valorização e igualdade nas oportunidades no trabalho, na educação e na saúde. Desejo que este 20 de novembro, assim como todos os outros, seja de muita festividade, alegria e renove nossas energias para continuarmos nossa trajetória para conquista de direitos e igualdades.

 


Secom TRT5 - 20/11/2015