CNJ: ex-presidiários conseguem oportunidade de trabalho

"Não podemos aceitar pessoas desse nível". Essa foi a resposta mais ouvida pelo egresso do sistema penitenciário Joaquim Notari Leite ao longo de dois anos na busca por um emprego. No entanto, há oito meses, esta realidade mudou. Joaquim é um dos vinte contratados da Construcap, uma das dez maiores construtoras brasileiras, para trabalhar na construção do Rodoanel Norte, no Estado de São Paulo.

 

A contratação foi possibilitada pelo programa Pró-Egresso da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), parceiro do programa Começar de Novo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem como objetivo a sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário.

 

Além de possibilitar a reinserção no mercado de trabalho, a oportunidade oferecida pela Construcap mudou também a vida em família de Joaquim que, como ele define, agora está “100% maravilhosa”. Aos 34 anos e pai de três filhos, ele foi preso por assalto e tráfico, condenado a uma pena de quinze anos, sendo que sete deles já foram cumpridos em regime fechado em três presídios diferentes do Estado de São Paulo.

 

Até 2020, ele deve cumprir pena em regime aberto, o que possibilita o trabalho. Porém, depois que obteve a progressão de regime, encontrou uma grande dificuldade para começar a trabalhar. "Tentei várias empresas, inclusive no ramo da construção civil, mas a recepção não foi boa. Toda vez que perguntavam sobre antecedentes criminais e eu me apresentava na condição de ex-presidiário, me respondiam que não podiam aceitar pessoas desse nível", conta.

 

Durante dois anos, Joaquim teve que se manter com o trabalho da esposa, mas não desistiu de trabalhar com carteira assinada e, desde que começou na obra do Rodoanel, já foi promovido de servente a operador de máquinas. "Pretendo ficar até o fim da obra e, se tiver oportunidade, ser contratado pela empresa para outras obras", conta Joaquim, que atribui as "coisas erradas" que fazia antes à criação que teve em uma família desestruturada. "Hoje tudo o que eu faço é pelos meus filhos", conclui.

 

Ressocialização – Oportunidades como a de Joaquim se tornam possíveis por meio do atendimento prestado aos egressos nas Centrais de Atenção ao Egresso e Família (CAEF), órgão vinculado à Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania da SAP. Essas unidades atendem a diversas demandas, sendo uma das prioritárias a reinserção no mercado de trabalho. Após o atendimento com as assistentes sociais e psicólogos do órgão, os egressos são cadastrados no portal “Emprega São Paulo - pró-egresso”, que automaticamente cruza as vagas oferecidas por empregadores, como no caso da Construcap, com os currículos cadastrados pelas CAEFs. O egresso recebe uma mensagem, por e-mail ou celular, com a oferta da vaga e data de entrevista.

 

Entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, 662 egressos conseguiram emprego por meio do Portal “Emprega São Paulo – pró-egresso” e, até setembro deste ano, 201 egressos foram contratados por meio do portal. Podem participar do portal na condição de egresso pessoas que estão em liberdade condicional ou que já cumpriram a pena, até um ano após o seu término, mas ainda têm dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

 

De acordo com dados da SAP-SP, atualmente há 652 presidiários do regime semiaberto que trabalham por meio de contrato com a Funap no Estado de São Paulo. Segundo dados levantados pela SAP-SP, no mês de julho de 2014 havia 51.764 presos  em trabalhos laboterápicos dentro das próprias unidades, como lavanderia, alimentação, manutenção, cozinha, entre outros.

 

O papel das empresas – A Construcap já empregou cerca de 50 egressos do sistema penitenciário. Em alguns casos, profissionais deste tipo acabaram admitidos pelo consórcio e outros por empresas parceiras posteriormente ao trabalho prestado. “Temos hoje um egresso que trabalha na reforma do Mineirão e está em um cargo de liderança”, explica Kelli Bonadio, gerente de Desenvolvimento Humano Organizacional da Construcap.

 

No caso da reforma do Mineirão, a empresa contratou presidiários do regime semiaberto, ou seja, que voltam para os presídios após o trabalho. “Eles tiveram um bom acompanhamento e é um projeto que vale a pena dar continuidade. Ao dar oportunidade para que possam desenvolver novas habilidades, isso impactará diretamente nas suas vidas e consequentemente no país”, acredita Kelli.

 

Antes de contratar os egressos, a empresa realizou várias palestras e reuniões com a diretoria da penitenciária envolvida. “É uma grande responsabilidade avaliar a real intenção daqueles que realmente querem recuperar-se e enquadrar-se na sociedade”, diz Kelli. De acordo com ela, houve casos de fugas e outros incidentes que foram avaliados caso a caso pela área de Responsabilidade Corporativa da empresa. O fato de ter uma assistente social atuando diretamente na obra contribuiu para que o projeto tivesse andamento e sucesso.

 

"O acompanhamento foi constante em toda a cadeia do processo. Se tínhamos algum comportamento inadequado, nossa assistente social atuava diretamente com a diretoria da penitenciária e, em casos mais graves, não havia retorno do preso ao trabalho", explica. Todo o processo foi feito pela empresa de forma sigilosa, para que os outros profissionais da obra não identificassem quem eram os egressos, evitando, assim, o preconceito.

 

O emprego no Rodoanel também foi a primeira oportunidade de trabalho para Evandro Natanael Reis, 29 anos, que cumpriu seis anos em regime fechado e, quando saiu, tentou emprego sem sucesso por um ano e dois meses, vivendo de "bicos" nesse período, até que foi contratado pela Construcap, onde está trabalhando como servente auxiliar na obra do Rodoanel.

 

"Quando consegui o emprego melhorou muito o relacionamento na família, porque acreditaram que eu tinha mudado mesmo. Até então ficava só na palavra", diz Evandro, pai de dois filhos, e que cumpriu pena devido a acusações de tráfico, assalto e resistência à prisão no Estado de São Paulo e aguarda julgamento de um processo envolvendo outros crimes na Bahia.

 

Agora, Evandro afirma que a vida de crimes ficou para trás, e o trabalhador que mora em São Miguel Paulista toma diariamente duas conduções para chegar à obra, onde cumpre uma rotina das 7 às 17 horas. “Pretendo concluir o ensino médio neste ano”, diz Evandro, que dentro do presídio conseguiu estudar da 5ª série ao 2º ano do Ensino Médio.

 

Começar de novo – O Programa Pró-egresso, em São Paulo, é um dos parceiros do programa do CNJ Começar de Novo, que tem como objetivo promover a cidadania por meio da reintegração do ex-presidiário na sociedade e, consequentemente, reduzir a reincidência de crimes. O direito ao trabalho dos presidiários é a principal bandeira do programa, que promove ações para a qualificação profissional e empregabilidade dos presidiários.

 

Instituído pelo CNJ em 2009, por meio da Resolução do CNJ n. 96, o programa tem como estratégia a articulação com parceiros que possam oferecer oportunidades de estudo, capacitação profissional e trabalho para detentos, egressos do sistema carcerário e cumpridores de penas alternativas.

 

O programa é executado pelos tribunais de Justiça, encarregados de buscar parcerias com instituições públicas e privadas. O setor da construção civil é o que mais contrata esse tipo de mão de obra. O Começar de Novo foi agraciado, em 2010, com o VII Prêmio Innovare, como ação do Poder Judiciário que beneficia diretamente a população.

 

Agência CNJ de Notícias

Luiza de Carvalho