Leiloar - Efetividade Jurisdicional

 

Integrada ao Poder Judiciário desde a edição da Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho tem empreendido árdua luta para cumprir sua missão institucional de fazer justiça social, resolvendo, no menor espaço de tempo possível, os processos submetidos a sua jurisdição. No entanto, isso só pode ser obtido mediante a entrega real da prestação jurisdicional, que deve ocorrer de forma célere e eficaz, levando-se em conta especificidades e peculiaridades dos destinatários das normas trabalhistas: os trabalhadores. De nada adianta encurtarem-se as datas da audiência inaugural, da instrução, prolação de sentenças, julgamento dos recursos nos tribunais, e adotarem-se outras medidas visando à celeridade nas fases de cognição e execução, se quando aí se chega o processo perde toda a dinâmica, entrando em estado de inércia, ou quase isso.


Tal situação, entretanto, tem causas perfeitamente identificadas. Não pode ser atribuída apenas à Justiça do Trabalho, ou ao juízo que promove a Execução, nem ao acúmulo de processos nas Varas. Decorre, principalmente, da falta de uma legislação dotada de instrumentos que permitam ao Juiz impor à execução maior rapidez. Essa situação vem exigindo da administração dos tribunais a adoção de medidas marcadas pela criatividade. Alguns Regionais já estabeleceram ações voltadas aos procedimentos de execução por meio de leilões, como Rio Grande do Norte, Paraíba etc. Outro bom exemplo é o Projeto Leiloar, da Quinta Região, que tem como um dos diferenciais a ampla divulgação, que democratiza o leilão e dá maior transparência aos procedimentos.


O Estado-Juiz vai a busca do patrimônio do executado, penhorando os bens, tantos quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas, honorários advocatícios, se houver condenação neste sentido, e outras despesas processuais, o que, por força do princípio da limitação expropriatória, deve ser um montante suficiente à satisfação do crédito exeqüente, na forma prevista nos artigos 659 e seguintes do Código de Processo Civil.


Instaurada a execução e superadas as fases de acertamento do título judicial e dos atos de citação, parte-se para a constrição de bens, materializada na penhora em busca do primeiro bem previsto na ordem de preferência estabelecida no art. 655 do CPC, o dinheiro. Hoje, com o convênio Bacen-Jud, a penhora em dinheiro constitui forma de garantia da grande maioria dos processos em fase de execução na Justiça do Trabalho.


Por intermédio desse convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e o Tribunal Superior do Trabalho, os Juízes Federais do Trabalho têm acesso, via internet, ao Sistema de Solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central. A celeridade impõe-se, tendo em vista que o crédito trabalhista, ante o seu caráter alimentar, é privilegiado, não havendo nenhum impedimento para que o Juiz faça, ele próprio, a penhora on-line, ao contrário do que comumente vem sendo alegado em Embargos à Execução e Mandados de Segurança interpostos à realização das penhoras on-line.


A grande vantagem do Convênio Bacen-Jud é dar efetividade aos princípios da concentração, economia e celeridade processual, tônica da execução trabalhista, uma vez que torna ágil a entrega da prestação jurisdicional. Entretanto, nem todos os processos possuem garantia em dinheiro. Parte significativa deles é garantida por bens imóveis, títulos, veículos semoventes, direitos, ações etc, o que muitas vezes demanda remoção para o Depósito Judicial, acarretando gastos absurdos ao erário público com a armazenagem e conservação.


Não fosse isto, realizada este tipo de penhora, o processo ingressaria em fase de quase paralisação. De nada vale todo o esforço empreendido anteriormente, se, após a penhora, o empregado não consegue receber o que lhe é devido e reconhecido na sentença. Este momento final do processo constitui exatamente o mais crucial, já que a partir daí os bens ficam esquecidos por quem os nomeou à penhora e os empregados não os querem porque não satisfazem as suas necessidades. Ao mesmo tempo as praças não têm licitantes e os leilões seguem o mesmo caminho.


Foi visando à completude e efetividade da prestação jurisdicional, com entrega do direito a quem aqui veio buscá-lo, que o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região realizou nos dias 10 e 11 deste mês de abril um Megaleilão, denominado Leiloar, amplamente divulgado pela imprensa local.


Este projeto, como destacou na solenidade de abertura no Centro de Convenções o Ex.mo Presidente do Tribunal, Desembargador Roberto Pessoa, foi um êxito antes mesmo de seu início, uma vez que muitos processos foram quitados nas próprias Varas do Trabalho onde tramitavam, com vistas a evitar a alienação dos bens que garantiam a execução. Reclamados/executados apostavam na falta de licitantes, de interesse de arrematantes e na demora de realização do leilão, e com isso continuariam litigando, fazendo uso de uma infinidade de recursos que têm a sua dispor, protelando a finalização da demanda, não fosse o Megaleilão.


Concluiu-se, assim, que Leiloar é medida de justiça, de respeito ao jurisdicionado, que visa tornar efetiva a entrega do direito. É forma de reconhecimento da cidadania, é, ademais, observância a dois princípios constitucionais. O primeiro, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, que assegura a todos no âmbito judicial ou administrativo razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. E o segundo, no art. 7º, inciso XXIX, que reconhece aos trabalhadores urbanos e rurais o direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho.


Leiloar permite ao trabalhador receber o seu crédito, restabelecendo a dignidade perdida juntamente com o emprego, concedendo-lhe o respeito a que tem direito como cidadão e trabalhador, responsável pela geração de riquezas, que não pode ser negligenciado nem esquecido. Também constitui uma maneira de confirmação do respeito que merece este Poder da República, o Poder Judiciário, muitas vezes acusado injustamente de ser moroso e inoperante.


O princípio assegurado em nossa Carta Magna, que a todos garante igualdade perante a lei, art. 5º, caput, será inócuo e desnecessário se, ao propor uma ação, o trabalhador ficar em situação de desigualdade, de inferioridade ante o seu empregador, vendo transcorrerem dias, meses, anos, sem nada receber, o que muitas vezes é resumido no brocado popular: "ganha, mas não leva".


O que vimos no Centro de Convenções - cadastramento de 1.049 credenciados, uma arrecadação que superou o montante de R$ 16.000.000 (dezesseis milhões de reais) e a resolução de mais de 550 processos - foi uma ação dirigida a tirar os processos da inação. O direito, enfim, operado na sua forma mais dinâmica e concreta, atuando na real composição dos conflitos, assumindo o seu papel de instrumento de pacificação, de recomposição da paz social.


Dentro do contexto em que concebido, o Leiloar equivale a restabelecer dignidade, gerar riquezas, assegurar direitos, é a ação no processo ou o processo em ação. É a efetividade do direito na sua forma mais visível e transparente. Efetividade da jurisdição, esta é a finalidade última do projeto Leiloar.

Salvador, 11 de abril de 2007.

 

* VÂNIA J. TANAJURA CHAVES - Desembargadora Federal do Trabalho - TRT 5a Região