Confira entrevista que a Tribuna da Bahia publicou com o ministro Ives Gandra

 
 
 

Na edição desta segunda-feira (02), o jornal Tribunal da Bahia, publicou uma entrevista, realizada na última sexta-feira (29/04) nas dependências do TRT5, com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra. Confira a publicação na íntegra, logo abaixo.

 

'Crise tem aumentado volume de processos, diz Ives Gandra

Em entrevista exclusiva à Tribuna, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, disse que a crise econômica e política que o país atravessa tem aumentado o número de processos.

 

Segundo ele, até no ano passado a média era de 2 milhões por ano de novas ações, hoje já chega a quase 3 milhões. 'Só para se ter uma ideia, o normal por ano era recebermos em torno 2 milhões de novas reclamações, hoje já tem chegado perto de 3 milhões por causa desse aumento do nível do desemprego.

 

Então, fica muito difícil a Justiça do Trabalho com o mesmo magistrado e, principalmente, agora com LOA [Lei Orçamentária Anual] impedindo a reposição de servidores, dar uma resposta rápida e eficiente para um aumento de demanda', explicou. O ministro ressaltou que o número de juízes, no entanto, permanece o mesmo, e o corte no orçamento da Justiça do Trabalho tem dificultado dar uma resposta célere e efetiva ao cidadão.

 

Ainda na entrevista, o ministro falou sobre a situação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia, o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e o eventual governo do vice-presidente Michel Temer (PMDB).

 

Tribuna- Ministro, a crise econômica tem provocado uma onda de desemprego no país. A Justiça do Trabalho tem conseguido dar conta dessa demanda?

Ives Gandra- Na verdade, essa demanda chega primeiro no primeiro grau de jurisdição, que tem sentido o aumento de processos. Só para ter uma ideia, o normal por ano era recebermos em torno 2 milhões de novas reclamações, hoje já tem chegado perto de 3 milhões por causa desse aumento do nível do desemprego. Então, fica muito difícil a Justiça do Trabalho com o mesmo magistrado e, principalmente, agora com LOA [Lei Orçamentária Anual], impedindo a reposição de servidores, dar uma resposta rápida e eficiente para um aumento de demanda.

 

 

Tribuna- Demissões em massa ocorrem quando as empresas estão em crise e com dificuldades de honrar seus compromissos. Como a Justiça do Trabalho age nesses casos?

Ives Gandra- Hoje, quando a gente vê essa crise econômica no Brasil, o que nós vemos na prática é o trabalhador e as empresas fragilizados. Isso significa que temos que conseguir dar uma proteção mais efetiva ao trabalhador, mas também dar uma segurança jurídica para as empresas. Isso nós precisamos refletir mais. Temos que dar proteção efetiva ao trabalhador, de forma que ele tenha garantido os direitos, mas não só no papel, mas sim efetivos. E, muitas vezes, é melhor um emprego mantido do que o salário aumentado.

 

Tribuna- O senhor disse recentemente que a Justiça tem que ser menos paternalista até mesmo para ajudar o país a sair da crise. O que senhor quis dizer com essa declaração?

Ives Gandra- Existe um princípio da doutrina social cristã, que se encontra na Carta Magna do Trabalhador, que é do principio da subsidiariedade. Este diz que quando o juiz do Trabalho acha que tem mais condições de resolver um conflito do que as próprias partes, muitas vezes, o magistrado acaba provocando uma intervenção que chega a ser, em alguns pontos, canhestra. Por quê? Imaginemos um caso de dano moral, uma indenização neste caso muito pesada, mesmo com caráter pedagógico para uma empresa, pode quebrar o empreendimento, que pode provocar o desemprego de 10 ou 15 funcionários. Por isso que digo, como juiz do Trabalho, temos que fazer o juízo de consequência. A decisão vai provocar um impacto na empresa? Esse impacto vai ser assimilado? O nível hoje de não cumprimento de sentenças é muito elevado. O trabalhador ganha, mas não leva, porque a empresa não tem condição de até sobreviver.

 

Tribuna- O que fazer diante de uma situação como essa?

Ives Gandra- Tenho pregado muito a ideia que temos de prestigiar os meios alternativos de solução de conflitos. Não achar que só a função jurisdicional stricto sensu, de que só impondo uma sentença, é a melhor fórmula. Isso seria até uma propaganda enganosa.

 

Tribuna- A nossa legislação trabalhista é bem antiga. Precisa passar por uma revisão? Quais os pontos mereciam uma maior atenção?

Ives Gandra- No meu modo de ver, deveria haver um enxugamento muito grande na legislação no sentido de termos um direito comum a todos os trabalhadores. O resto sobre cada segmento fosse buscada a solução através de negociação coletiva e acordos, porque aí se sabe as condições necessárias e possíveis para cada grupo.

O que mais impressiona é que tudo que diz respeito à terceirização hoje vai para Justiça.

 

Tribuna- O senhor considera um avanço ou retrocesso o projeto de terceirização que tramita no Congresso Nacional?

Ives Gandra- Esse projeto aprovado, e que está no Senado, tem aspectos positivos e negativos. Agora, o que nós precisamos é de um marco regulatório. Não temos dúvida.

 

Tribuna- Como a Justiça vê a questão dos contratos temporários de trabalho? As garantias da CLT se aplicam ao trabalhador?

Ives Gandra-Esse é um tema muito complexo. Por quê? Porque as empresas de trabalho temporário a rigor contratam aquele trabalhador que é desta empresa, mas temporariamente atua em outras por falta de pessoal ou aumento da demanda. Essas empresas reclamam que não têm condições de assimilar esse empregado quando acaba o contrato. Outro dia, conversando com alguns empresários do setor, eles se questionavam que como vão assimilar a instabilidade, por exemplo, de uma gestante se tem uma pequena estrutura? E eles diziam isso que é a terceirização, no pior sentido da palavra. Essas empresas teriam que ter condições de manter esses empregos enquanto não podem colocas em outras. Temos que encontrar uma fórmula.

 

Tribuna- Muitas empresas têm estimulado os funcionários que ganham maiores salários a se tornarem PJ (Pessoa Jurídica). Isso de alguma forma é uma burla à legislação, já que não incide todos os impostos?

Ives Gandra- Essa é uma outra questão que tem gerado muita discussão. O certo seria se criar essa pessoa jurídica, por exemplo, de um artista. Na verdade, esse artista vai ter seu empresário, vai ser uma “empresinha”. Mas quando se tem uma “PJotinha” típica aí tem encontrado na Justiça uma rejeição, dizendo que o contrato tem que ser direto.

 

Tribuna- Qual avaliação que o senhor faz da Justiça do Trabalho da Bahia?

Ives Gandra- Nós temos visto com muita alegria as iniciativas que a Bahia tem tomado em termos de informatização e de celeridade ao processo. Também se destaca a parte de conciliação. Recentemente, vimos que o número de processo que se resolve por conciliação do que por decisão se destacou no TRT da Bahia. Isso para nós é muito positivo. Quando se consegue conciliar, quer dizer que não vai ter recurso, ou seja, está “matando” o processo na raiz.

 

Tribuna- Qual o gargalo que é mais difícil de ser removido na Justiça do Trabalho hoje?

Ives Gandra- Sou muito crítico à forma como hoje se processa toda a sistemática recursal. Para mim, o grande gargalo hoje tem sido o Tribunal Superior do Trabalho, de um lado, e a execução, do outro. O que isto significa. Você vai conseguir que o seu processo ande e quando chega ao TST pode ocorrer duas coisas. De duas, uma: ou tema foi eleito pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo TST como tema repercussão geral ou de repercussão repetitivo e aí esse processo gera um sobrestamento dos que têm o mesmo tema. Não se pode ficar anos esperando que o processo possa andar. O advogado argumenta que não é bem o enquadramento dessa repercussão geral ou de repercussão repetitivo, mas nós dizemos que vai ter que esperar até que o TST ou Supremo julgue. Então, não podemos fazer nada. Ao mesmo tempo, a execução, a pessoa ganha, mas não leva, porque é muito complexa toda a tramitação hoje do processo de execução. O que mais complica, no meu modo de ver, é a Lei 13.015, que determinou que TRTs uniformizem a sua jurisprudência. Brinco dizendo que nós acabamos terceirizando a atividade fim do TST, que deveria uniformizar a jurisprudência. Hoje, quando o processo chega ao TST, em vez de julgarmos, mandamos para o TRT para que uniformize a jurisprudência. É impossível que todos os TRTs uniformizem da mesma forma. Basta um dos 24 decidir de forma diferente, o processo tem que ir para o TST de novo. Isso para mim é irracionalidade.

 

Tribuna- Qual a saída para isso?

Ives Gandra- Conseguir um processo mais racional e simplificado. Eu sou muito radical, acho que nós deveríamos dizer os processos que podemos julgar e os que não. Escolher alguns para julgar e os outros dizer que vale a decisão da 2ª instância. Daríamos definitivamente maior efetividade às decisões de 2º grau, como se faz em um país civilizado como Estados Unidos.

 

Tribuna- O novo CPC vai dar celeridade nos julgamentos?

Ives Gandra- Acho que não. Acho que o novo Código de Processo Civil foi um projeto fundamentalmente organizado por advogado, facilitando a vida deles, mas complica a vida do processo, porque os prazos são mais dilatados. O sagrado direito de defesa transforma em algo tão amplificado que chega uma hora que não consegue fazer o processo andar. E é isso que tem ocorrido hoje.

 

Tribuna- Como o jurista e cidadão Ives Gandra avalia esse momento de tensão política?

Ives Gandra- No meu modo de ver, a crise econômica, que é uma das piores que já vivemos, tem raiz em uma crise política. Mas a crise fundamental que estamos passando é moral e ética. O aspecto positivo é que quando fica tão patente faz com que nós repensemos o modo de agir e o modo de cidadania. E partir daí os segmentos da sociedade podem contribuir para ver o que é possível fazer para saírmos da crise política e econômica através da contribuição de cada um.

 

Tribuna- O senhor acredita que direitos trabalhistas correm risco em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, como o PT e aliados avaliam?

Ives Gandra- Penso que é muito preconceito achar que alguma filosofia do tipo de flexibilização de direitos é redução. Tenho sempre defendido que flexibilizar significar dar menos rigidez ao sistema protetivo. Se não posso dar um reajuste salarial, mas compenso com alguma vantagem, como reajuste do tíquete alimentação, no global, o trabalhador não sai perdendo.

 

Tribuna- O impeachment da presidente Dilma Rousseff se configura em um golpe ou tem respaldo na Constituição?

Ives Gandra- Quando a gente fala em golpe, eu imagino como um ato imediato de substituição de um governo para outro armado. Acho difícil chamar que é golpe algo institucionalmente previsto na Constituição e tem tido prazo, procedimentos, direito de defesa e o contraditório. Estamos vivendo o que na democracia se chama de meios naturais, democráticos e jurídicos de substituir um governante por outro que não cumpriu o que se esperava.

 

Tribuna- O que fazer para sair da crise? Nova eleição seria uma alternativa?

Ives Gandra- No meu modo de ver, tudo tem sido feito com a Constituição. Se cada um, seguindo a linha sucessória, for afastado, a própria Constituição prevê eleições. Agora, não se pode deixar de cumprir a Constituição. '

 

Secom TRT5-03/05/2016