Um trabalhador de Salvador que desempenhava a função de assistant waiter (assistente de garçom) em navios de cruzeiros da empresa MSC Malta Seafarers Company Limited teve reconhecido o direito ao pagamento de suas verbas trabalhistas segundo o Direito do Trabalho brasileiro. A decisão é da juíza da 33ª Vara do Trabalho de Salvador, Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale, que desconsiderou a lei do pavilhão (as relações de trabalho da tripulação são regidas pelas leis do local da matrícula da embarcação) e utilizou uma teoria chamada de Centro da Gravidade para aplicar a legislação brasileira, uma vez que se tratava de um grupo econômico com uma das empresas, a MSC Cruzeiros do Brasil Ltda., sendo nacional. Da decisão ainda cabe recurso.
De acordo com o assistente de garçom, ele foi recrutado pela empresa brasileira Rosa dos Ventos, tendo trabalhado em viagens pela costa brasileira e por países estrangeiros. Isso o fez pedir a aplicação da legislação brasileira em seu processo, invocando o Princípio da Proteção e da Norma Mais Favorável. As empresas, por sua vez, alegaram que o Estado brasileiro não possui jurisdição para apreciar e julgar a ação, uma vez que o contrato teria sido firmado com a empresa MSC Malta Seafarers Company Limited (registrada na República de Malta) a bordo do navio, que ostentava bandeira panamenha.
Uma testemunha afirmou que o autor foi contratado antes de embarcar, após se submeter a diversas etapas e ser aprovado em todas elas, com a documentação assinada em território brasileiro. Para a juíza, o fato de o contrato de trabalho ter sido firmado em território brasileiro e as empresas atuarem em regime de coordenação, formando grupo econômico, traz a competência para a autoridade judiciária brasileira (artigo 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Além disso, a Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), diz que grupo econômico é considerado empregador único. Com isso, o contratante possui sede no Brasil, já que a empresa MSC Cruzeiros do Brasil Ltda, é brasileira.
De acordo com a juíza Silvia Isabelle, a Teoria do Centro da Gravidade encontra respaldo tanto no Brasil (já tendo sido aplicada pelo TST), quanto nos Estados Unidos, onde a Suprema Corte Americana utilizou, em 2005, no precedente Spector v. Norwegian Cruise Line. No caso dos EUA, utilizou-se a legislação americana para pessoas portadoras de deficiência e acessibilidade nos navios de bandeira das Bahamas. O tribunal entendeu que o centro de negócios da empresa era nos Estados Unidos.
Ainda conforme a juíza, o caso do assistente de garçom encontra semelhança com o americano, já que o reclamante participou de quatro temporadas exclusivamente brasileiras, o que deixa claro que o centro de atividades do grupo econômico é no Brasil.
Na sua decisão, a magistrada afirmou: “Seguindo a Teoria do Centro de Gravidade, força é concluir pelo afastamento da aludida Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar ou do Código de Bustamante, para aplicar a Lei nº 7064, de 1982, tendo-se que em tal regramento legal há a previsão de aplicação da lei brasileira, caso seja mais favorável ao trabalhador (art. 3º) para a realização de serviços no estrangeiro, de trabalhadores transferidos, considerando como tais os removidos, cedidos ou contratados por empresa sediada no Brasil (art. 2º). Assim, se contratado um trabalhador para realização de atividades marítimas por empresa com sede no Brasil, será aplicada a norma mais favorável, que, no caso presente, é a Consolidação das Leis do Trabalho, afastando-se, inclusive, Termos de Ajuste de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho”.
Processo nº: 0000630-64.2018.5.05.0033
Secom TRT5 (Fabricio Ferrarez) – 10/12/2019