Rodrigues Pinto, homenageado em Colóquio, analisa a evolução da Justiça do Trabalho

Amanhã e depois, os professores José Augusto Rodrigues Pinto e Luiz de Pinho Pedreira, magistrados do Trabalho aposentados da 5ª Região, serão homenageados num dos maiores eventos da área jurídica já realizados na Bahia, o IV Colóquio Brasileiro de Direito do Trabalho. O encontro, que será aberto pelo Presidente do TRT5, Desembargador Roberto Pessoa, e pelo Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Georgenor Franco Filho, ocorrerá no Auditório Oxalá do Centro de Convenções de Salvador.

 

Aproveitando o ensejo dessa homenagem, publicamos a seguir entrevista concedida em julho deste ano pelo Mestre Rodrigues Pinto à Assessoria de Comunicação Social para integrar projeto desenvolvido pelo TRT5, o Memorial da Justiça do Trabalho. De forma semelhante, o Diário Oficial  estampou em suas páginas, no mês de outubro último, a entrevista para o mesmo projeto concedida pelo Professor Pinho Pedreira, naquele mês agraciado pela Universidade Federal da Bahia com o título de Professor Emérito. Nas declarações dos professores pode-se apreender contribuições inestimáveis para a história jurídica brasileira. No caso específico de Rodrigues Pinto, a tônica é a relação entre Economia e Direito e o ciclo ainda inacabado de transformações da Justiça do Trabalho brasileira.

 

O EVENTO - A coordenação científica do IV Colóquio Brasileiro de Direito do Trabalho está a cargo do Professor Rodolfo Pamplona Filho, Juiz do Trabalho da 5ª Região. Entre os palestrantes confirmados estão o ex-Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Arnaldo Sussekind; o Advogado J.J. Calmon de Passos; o Juiz do Trabalho Aposentado Amauri Mascaro Nascimento; o Advogado José Affonso Dallegrave Netto; o Desembargador do TRT5 Cláudio Brandão; o Procurador do Trabalho Manoel Jorge e Silva Neto e o Juiz do Trabalho Luciano Martinez.

 

O Colóquio é organizado pelo Curso JusPodivm e pela Academia Nacional de Direito do Trabalho, com o apoio da Amatra5, TRT5, Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior e Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Durante o evento será realizado o concurso de artigos Luiz de Pinho Pedreira, para o qual as inscrições também estão abertas.

 

Maiores informações sobre a programação e sobre as inscrições podem ser obtidas pelos telefones (71) 3372-2000 e 3341-1774 ou pelos sites www.juspodivm.com.br e www.portalmultipla.com.br. Em Salvador, há ainda a opção de se dirigir às Lojas da Central do Carnaval dos shoppings Aeroclube e Iguatemi (2º piso), além dos estandes instalados nas Faculdades de Direito e no Fórum Ruy Barbosa.

 

Assessoria de Comunicação  (A.C.) " Foram conturbadas as décadas de 60 e 70, com movimentos das classes trabalhadoras, contestações, reação dos militares no poder, e novamente uma abertura, com reorganização dos sindicatos. Como isso repercutiu sobre o meio trabalhista?

PROFESSOR Rodrigues Pinto  (R.P.) " A repercussão, evidentemente, teria de haver com alguns aspectos negativos e outros, que me parece que foram mais fortes, positivos. Porque o Direito do Trabalho, como ramo extremamente social e econômico do Direito, não se alterou com essas perturbações sociais e, sobretudo, políticas. Ele continuou a sua evolução até porque todos os juslaboralistas são unânimes em afirmar que o Direito do Trabalho tem uma raiz econômica muito forte. Onde há desenvolvimento econômico há, tem que haver, Direito do Trabalho. E o Brasil de 1930, justamente de lá para cá, nunca deixou de ter um desenvolvimento econômico satisfatório, sobretudo, com uma reversão que foi iniciada por Getúlio Vargas, justamente quando implantou a legislação trabalhista no Brasil revertendo, dando o impulso de reversão para a nossa economia de rural para industrial.

Desde a década de 30 essa evolução nunca deixou de existir. O Direito do Trabalho não se deixou perturbar por esses movimentos políticos e sociais, ao contrário, se fortaleceu.

Porque todas essas insatisfações, todos esses entrechoques de idéias políticas e até mesmo de ideologias, facilitaram a criação, o movimento criativo do Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho se mostrou absolutamente superior àqueles contratempos que nós, os juslaboralistas, tivemos de enfrentar como todos os brasileiros, sobretudo com aquele movimento de 1964 que instaurou aqui o regime militar forte.

 

(A.C.) - Como era a organização corporativa dos juízes que se dedicavam às causas trabalhistas para fazer frente aos problemas que encontravam?

 (R.P.) - Minha atividade como magistrado abrangeu os anos de 60 e 70. É uma época em que a Justiça do Trabalho do Brasil todo, mas particularmente posso falar da Bahia, ainda era uma justiça de limites pequenos. Até o começo, quando foi outorgada a Consolidação e a Justiça do Trabalho foi incluída no Poder Judiciário, com a Constituição de 46, os juristas de outras áreas, sobretudo, da área do Direito comum, do Direito Civil, do Direito Comercial consideravam a Justiça do Trabalho de segunda classe, talvez como reminiscência da sua origem administrativa da década de 30.

 

A justiça tinha estrutura pequena, mas extremamente eficiente. Não tínhamos naquela ocasião esta organização de defesa dos interesses da classe, sistematização das atividades, da corporação da Justiça do Trabalho. Ao invés de nos reunirmos em associações de magistrados com seções semanais e etc, nós juízes de primeiro grau nos reuníamos todos os dias depois do expediente nas Juntas, no gabinete do Presidente. Na família da Justiça do Trabalho havia uma convivência absolutamente igualitária. Na convivência profissional não havia esta noção de graus convencionais, nem grau inferior, nem grau superior. Cada juiz que terminava as atividades na sua Junta de Conciliação e Julgamento subia para o gabinete do Presidente do Tribunal e os juízes se encontravam no próprio Tribunal com a Presidência, Vice-Presidência e discutiam teses, desenvolviam até estudos do Direito de Trabalho. Nosso sentido naquele tempo era mais familiar do que corporativo, era mais saudável.

 

(A.C.) - O senhor atuou como Juiz Presidente da Junta de Conciliação da 5º Região, que abrange os municípios de Juazeiro, Jequié, Santo Amaro e Salvador, sendo depois exonerado por aposentadoria voluntária. Como a Justiça do Trabalho foi recepcionada no interior do estado da Bahia, quando da sua instalação, pelos trabalhadores e pelos produtores rurais?

 

(R.P.) - Tomando como medida os órgãos do interior onde atuei, devo dizer que a Justiça do Trabalho sempre foi muito bem recebida. E o Direito do Trabalho se apóia numa legislação protetora, hoje já abrandada pela flexibilização provocada por este movimento econômico chamado de globalização.

 

Mas na época em que atuei, de 1966 até 1973, havia uma receptividade muito grande com alguma resistência maior nos patrões e empregadores rurais exatamente por suas próprias fraquezas. O empregador rural não estava ainda, à época, suficientemente estruturado. Não tinha ainda aquela noção de empresa que deveria imprimir à sua atividade, que o colocasse em condições de suportar os ônus decorrentes da atividade do Direito do Trabalho em favor do deficiente econômico que era o trabalhador rural. Então ele resistia um pouco mais. Mas os trabalhadores, ao contrário, receberam a Justiça do Trabalho sempre como uma espécie de, não vou dizer que uma benção, mas, uma benesse que lhes foi entregue pelo poder.

 

(A.C.) - O senhor como juiz, como via as dificuldades enfrentadas pelos juízes trabalhistas naquela época para atuarem no interior do estado?

 

(R.P.) " Tive dificuldades como todos temos em nossas habilidades porque a dificuldade é o tempero da vida. Uma vida sem dificuldades seria uma monotonia igual à morte. Procuro nem guardar na lembrança essas dificuldades que tive porque foram tão naturais no exercício da profissão. Agora faço o registro para bem responder a questão que me foi apresentada de que as dificuldades me serviram como um estímulo. Estímulo para aperfeiçoar meu senso de justiça, e quanto a este senso tenho a impressão que não sofri grandes dificuldades porque sempre procurei tratar o meu semelhante com este espírito. Não como um juiz, mas como um ser igual a mim, onde a dignidade em qualquer circunstância, na vitória ou na derrota, deveria ser respeitada.

 

(A.C.) - O senhor concorda que a Justiça do Trabalho a partir da década de 80 passou a ter maior presença na sociedade brasileira? Cresceu a complexidade da Legislação Trabalhista. Cresceram também o número de reclamações e o de advogados interessados na militância trabalhista. Como o senhor recorda destas transformações?

 

(R.P.) " O Direito do Trabalho é um ramo jurídico em permanente transformação porque ainda não terminou seu ciclo, ainda está em andamento. Agora, na realidade, ele se agita mais porque se desenvolveu aqui no Brasil no século XX, um século de transformação por excelência. Às vezes digo a amigos que me sinto um privilegiado por ter nascido no século XX e ter chegado ao XXI. É tão diferente a vida que nós tínhamos antes das duas guerras do século XX - sobretudo, a Segunda - , que, depois delas, posso dizer que conheci dois mundos diferentes. E o Direito do Trabalho não poderia deixar de refletir isso, o seu crescimento sempre agitado.

 

Entendo que o Direito do Trabalho se desenvolveu - prefiro sempre me referir aqui no Brasil, que é onde eu vivo, e é onde ele tem a atuação que conheço -, passou por transformações intensas. E houve aqui a referência dos anos 80 para cá, mas ele teve um período de transformação, de ebulição muito grande de 1964 em diante, quando começamos a sofrer, a experimentar os primeiros sintomas da revolução tecnológica que foi conseqüência da Segunda Guerra Mundial.

 

Com esses primeiros sintomas que a revolução tecnológica iria reproduzir sobre a sociedade, o Direito do Trabalho começou a se transformar e nós vimos aqui, por exemplo, abalar-se o instituto que era quase sacrossanto da estabilidade do emprego, hoje desaparecida, aquela estabilidade definitiva. Vimos que instituiu-se o regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço [FGTS], assistimos a unificação dos órgãos da Previdência Social e hoje Instituto Nacional de Seguridade Social [INSS], que é uma extensão do Direito do Trabalho.

 

 Tudo isso se deu antes da década de 80, mais particularmente a partir do chamado "primeiro choque do petróleo", ocorrido em 1962. A criação da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] e a explosão dos preços do petróleo no mercado mundial foram causadas com os influxos da revolução tecnológica e a popularização da tecnologia que tinha sido desenvolvida intensamente para aplicação na guerra. Então passou a ser aproveitada pela sociedade civil, e aí nós tivemos um outro influxo do Direito do Trabalho que foi no sentido de flexibilizar para se adaptar a globalização da economia.

(A.C.) - Como o senhor avalia as recentes mudanças introduzidas na Justiça Trabalhista, a ampliação das competências, a crescente informatização, os Conselhos de Justiça (Emenda 45)? Que perspectivas o senhor enxerga para o Direito do Trabalho no Brasil? Caminhamos para consolidar essa rede de direitos?

 

(R.P.) - Exatamente na década de 80, quando a globalização começou a mostrar sua face - que não é uma face muito simpática para o Direito do Trabalho porque implica sua flexibilização, uma modificação de princípios históricos fundados na coluna mestre, na proteção do coeficiente econômico - , quando tudo isso começou a se mostrar com a explosão tecnológica, houve interesse e muitos respeitáveis juristas disseram que o Direito do Trabalho tendia a desaparecer. Ele tendia a uma reabsorção pelo Direito Civil, de onde tinha saído, rebelando-se com o princípio da proteção do coeficiente econômico contra o princípio do Direito comum com o da autonomia, da vontade, da liberdade individual de contratar. Então muitos disseram que o Direito do Trabalho iria refluir.

 

Graças a Deus, humildemente me aliei com aqueles representantes do melhor pensamento europeu que diziam que o Direito do Trabalho, ao invés de refluir, iria se expandir. Mas em que sentido? No sentido de trazer para a sua proteção, para sua disciplina todos os trabalhadores. Hoje estamos verificando isso aqui no Brasil através da própria Emenda 45 de 2004. Porque o Direito do Trabalho, antes dessa ampliação, dessa tendência expansionista para abranger todas as relações de trabalho e não só a subordinada, era propriamente um Direito do Emprego porque só o trabalhador estava incluído no seu raio de visão. Hoje ele é realmente um Direito do Trabalho.

 

A perspectiva que tenho é a mais otimista possível, o Direito do Trabalho tem ainda um enorme papel a cumprir, que é o de realmente dispensar a todos os trabalhadores a proteção que cada um deles deva merecer, sabido sempre que em toda relação de trabalho pessoal, em que haja prestação pessoal, está envolvida a dignidade humana e a fraqueza econômica do indivíduo diante do coletivo público ou coletivo social, a empresa.

 

Sou a favor da ampliação da competência no Direito do Trabalho, mas acho apenas que essa Emenda [a 45/2004] iniciou pelo fim a reforma que deve ser feita porque o Direito Processual é um complemento do Direito Material, ele efetiva as relações deste campo do Direito quando há conflitos. E o que acontece? A Emenda 45 trouxe para a órbita da competência da Justiça do Trabalho todos os dissídios de trabalhadores que estão regulados pela legislação de Direito Material comum e, é claro que, portanto, não é dispensada nenhuma proteção. Entendo que se tivesse que fazer essa reforma teria começado pelo Direito Material, pela classificação de todas as relações de atividade humana pessoal e pela dosagem de proteção a cada tipo de trabalhador. Hoje o que temos? Se, digamos assim, um prestador de serviço autônomo reclama na Justiça do Trabalho, ele goza das eficácias do Direito Processual do Trabalho e da eficiência do Direito do Trabalho, mas ele não goza de nenhuma proteção da legislação do Direito Material porque a sua relação é a de Direito comum. Eu acho que está faltando apenas completar esse ciclo estabelecendo uma disciplina apropriada para cada tipo de relação do trabalho, dosando a proteção que cada tipo de trabalhador deve ter nessa relação.  

 

(A.C.) " Muitos advogados do começo da Justiça do Trabalho beberam da sabedoria do mestre Orlando Gomes, que em 2009 completa o seu centenário. O senhor teve convívio com esse mestre? 

 

(R.P.) " O contato que tive com ele foi como aluno de Direito do Trabalho no curso de graduação em Direito na Faculdade de Direito da Bahia. A turma em que ministrou suas aulas foi uma das primeiras de Direito do Trabalho. E depois, por feliz circunstância, eu passei de aluno a seu discípulo. Através do Professor Elson Gottschalk, que foi Juiz do Tribunal do Trabalho da 5ª Região e era amicíssimo dele, eu me aproximei muito do Professor Orlando Gomes. Não só do ponto de vista do convívio pessoal, social como do ponto de vista também de releitura, discussão de teses, aspectos jurídicos de Direito do Trabalho, etc. Tive o privilégio de conviver mais ou menos de perto do professor Orlando Gomes.

 

(A.C.) - Que nomes o senhor traz mais nitidamente na memória de todos os contemporâneos da Justiça do Trabalho? Quais suas lembranças de Dr. Coqueijo Costa?

 

(R.P.) - Tenho na minha memória nomes de amigos e mestres que já desapareceram e outros que estão vivos. Sempre que me recordo da Justiça do Trabalho não posso esquecer nomes, por exemplo, como Washington da Trindade, que está graças a Deus entre nós e como o de Pinho Pedreira, que também brinda com o nosso convívio e assim por diante... Os nomes que gravo como os melhores exemplos que tive de magistrado trabalhista foram o de Elson Gottschalk, um jurista, um juiz laboralista perfeito, discípulo de Orlando Gomes. E depois de um parceiro de Orlando Gomes, o José Dantas do Prado, que foi o presidente do nosso tribunal e era um homem que tratava o Direito com delicadeza e resolvia os problemas com educação. O Lineu Lapa Barreto é outro nome que não se pode esquecer.

 

No terreno da irreverência nós tínhamos o José Alves Ribeiro, que, além de jurista e excelente magistrado, era também poeta e epigramista [que faz poesias breves e satíricas] de maneira que ele não deixou de ferretear um bocado de gente nesta Bahia, dando um toque de graça, de humorismo a nossa Justiça do Trabalho.

 

De Coqueijo me lembro como uma espécie de dínamo. Era realmente um homem de pluriatividade intelectual. Era ao mesmo tempo juiz, cronista, presidente de clube social, músico-compositor de mão cheia, pianista, arranhava de violinista e também seu violão; estava em todos os campos e onde quer que passasse imprimia sua marca de dinamismo. Talvez por isso tenha sido por alguns incompreendido. Muita gente, na minha época, achava que eram incompatíveis essas multiatividades de Coqueijo com a seriedade, aquela conspicuidade que devia ter o magistrado, o que não é verdade. Quando era magistrado ele exercia uma estatura e fora disso era um homem extremamente inteligente.

 

Gostaria de inferir aqui duas imagens de Jorge Amado que foi seu amigo. Jorge Amado teve personagens ficcionais e personagens reais que ele tratava nos seus livros pelo nome próprio e ele foi um personagem real de mais de um de seus livros. Jorge Amado disse, e tenho até registrado aqui em um trabalho que publiquei, que Coqueijo Costa "parecia magro e agitado, uma espécie de Quixote solto nas ruas da Bahia".  Ele refere-se à inquietude que era própria do espírito de Coqueijo e exatamente ao seu aspecto de dedicação a todos os tipos de atividade que dependesse da energia intelectual. Ele o apelidou de "numeroso Coqueijo", diríamos é o homem plural. Aliás, como uma vez disseram de Vinicius de Moraes, ele [Vinícius] tinha que ser plural porque não podia ser um só. Era assim o Coqueijo Costa.