Discurso da desembargadora Ana Lúcia Bezerra

Senhoras e senhores,

 

O momento que hoje vivencio me transporta para uma passagem ocorrida na vida de Santo Inácio de Loyola.


Impedido de participar das batalhas, Inácio de Loyola, valoroso militar, enquanto se recuperava de um ferimento, pediu que lhe fornecessem livros sobre a arte de guerrear.


Diante da inexistência, no local, de obras sobre o assunto, a Inácio foram entregues livros que tratavam da vida de santos da Igreja Católica.


Inicialmente contrariado, à medida que se aprofundava na leitura sobre a vida dos santos, Inácio percebeu, com clareza, que existia outro tipo de luta. Uma luta voltada para instalar a paz no espírito dos homens.


E assim o então Dom Inácio de Loyola, militar que via a guerra como meio para se chegar à paz, passou a atuar em outro campo, aprendeu a lançar mão de outras armas e idealizou outras estratégias.


Inácio mudou de atividade. Mas o seu objetivo continuou o mesmo: a paz.


Com a sua mudança, Santo Inácio de Loyola mostrou a todos nós, seres humanos comuns, que há mais de uma forma de se chegar a um mesmo resultado, mormente quando o objetivo é um dos mais nobres que se pode almejar: a paz social.


E significativa parcela do esforço para promover a paz social, numa sociedade organizada, está a cargo do Poder Judiciário.


Assim como Inácio foi inicialmente preparado para buscar a paz pelos meios militares, nós, membros do Judiciário, seres humanos comuns, somos treinados para promover a paz social por meio das decisões jurisdicionais.


A cada dois anos, um de nós - não um santo, mas um magistrado, um ser humano comum e, portanto, falível -, recebe - não da Providência Divina, mas dos seus pares - também uma missão. Não uma missão para toda a vida, como a de Inácio, mas uma missão para ser cumprida por um tempo certo.


Assim, em vez de promover a Justiça tal como estava habituado a fazer, prestando diretamente a atividade jurisdicional, esse magistrado que é escolhido pelos seus pares, passa a ter como principal função administrar os meios que permitirão aos demais integrantes do Poder Judiciário - juízes e servidores - o desempenho da atividade jurisdicional.


Nos dois anos que se iniciam hoje esta missão foi entregue a mim. Recebo-a com humildade e com humildade dela me desincumbirei.


As manifestações dos oradores que me saudaram são recebidas com profundo sentimento, comovendome-me ouvir palavras tão generosas e incentivadoras, também palavras de bem querer, graças à bondade e à amizade de quem as pronunciou.


Tanta credibilidade depositada, conduz à inabalável convicção de que ninguém pode administrar sem a colaboração dos próprios administrados.


Por isto, mais do que pedir, rogo pela compreensão e pelo apoio dos meus colegas integrantes da mesa diretora deste Tribunal, dos demais colegas desembargadores, dos meus colegas magistrados do primeiro grau e dos meus colegas servidores.


Não posso lhes prometer resultados. Mas posso registrar, aqui, frente a todos, o meu compromisso de agir com coragem, determinação e entusiasmo.


Coragem para agir. Mas coragem também para escutar.


Determinação para realizar. Realizar sem a pressa prejudicial ao resultado. Mas também sem qualquer perda de tempo.


E entusiasmo. Aquele entusiasmo que contagia a alma e faz desaparecer as impossibilidades. O entusiasmo que faz com que o impossível seja reduzido apenas a algo que ainda não foi tentado.


Os tempos hoje vivenciados pelo Poder Judiciário - bem revelam as medidas que vem sendo adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça - não permitem mais que fiquemos a contemplar o passado, imaginando que de tal contemplação podem ser extraídas todas as lições para o presente e para o futuro.


O passado - é verdade - não deve ser esquecido, ainda mais um passado glorioso como o da nossa querida Justiça do Trabalho.


Mas a mudança - a mudança, senhoras e senhores - é uma lei irrevogável da vida e quem se limitar a confiar apenas no passado e no presente, está destinado a comprometer o futuro.


Nós, membros do Poder Judiciário - juízes e servidores -, mais do que qualquer outro operador do Direito, temos que ter a consciência de que não se consegue escapar da responsabilidade de amanhã, esquivando-se dela hoje.


A responsabilidade de amanhã, portanto, é para ser assumida já, agora, sem mais tardar. O que comumente se chama de planejamento estratégico não está vinculado ao futuro. Ele é o próprio presente.


Valores como acessibilidade, inovação, responsabilidade sócio-ambiental, celeridade, efetividade, integração social, transparência, comunicação com o público externo, parcerias com instituições públicas e privadas e excelência na prestação dos serviços jurisdicionais não são - definitivamente não são - valores do futuro. São responsabilidades que a administração do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região assume no presente.


Tenho certeza de que não estamos sós nesta missão. Contamos, acima, com os faróis luminosos do Tribunal Superior do Trabalho, representado, aqui, pelo digno Ministro Horácio Pires.


E ao nosso lado, de mãos dadas conosco, estarão a Associação dos Magistrados Trabalhistas da 5ª Região, a nossa aguerrida Amatra 5; a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas; o Ministério Público do Trabalho, por meio dos seus ínclitos procuradores; a Seção Baiana da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição de solidez e respeitabilidade históricas; a Associação Baiana dos Advogados Trabalhistas; a Advocacia Geral da União; as Procuradorias do Estado da Bahia e dos Municípios baianos; a Associação Nacional dos Servidores da Justiça do Trabalho - Anajustra e o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal na Bahia - Sindijufe.


Todos nós que integramos este conjunto de instituições temos a consciência de que as lides postas para resolução no âmbito trabalhista decorrem do fato de que a economia de um país não é regida por critérios de justiça ou de eqüidade.


A economia é regida, sim, por critérios de eficiência e de rentabilidade.


Ela, a economia - já alertava José Guilherme Merquior -, é um soberbo órgão de criação de riqueza, mas não é um mecanismo competente de distribuição de renda.


E são as distorções provocadas por estas características inerentes ao mercado que aportam na Justiça do Trabalho. E aportam, em regra, junto aos magistrados de primeiro grau.


São os Juízes de primeiro grau, portanto, que dão, à sociedade, a primeira resposta do Poder Judiciário trabalhista.


Se assim é, são eles merecedores de todos os cuidados. Os órgãos julgadores de primeiro grau devem, por isto, ser providos de todos os meios indispensáveis para que a sua atuação esteja à altura das expectativas que neles são depositadas.


Este é um compromisso que o fato de haver sido guindada à presidência deste Tribunal permite que eu assuma.


Mas aqui, na presidência desta Corte, não cheguei contando apenas com o impulso dos meus próprios pés.


Qualquer que seja o ponto que um ser humano consegue alcançar na vida ele somente alcança porque encontrou, pelo caminho, pessoas que se inclinaram e o alavancaram.


Não existe ninguém feito apenas por si mesmo. Todos nós somos formados por um sem número de outras pessoas.


Somos formados, principalmente, por todos os que, algum dia, alguma vez, praticaram um ato de auxílio, mesmo que este ato tenha sido uma mera palavra de encorajamento.


No curso da minha vida tive a felicidade de contar com a participação de inúmeras destas pessoas.


Algumas delas, de tão importantes para mim, integram de tal forma a minha essência que chegam a ser extensões de mim mesma. Ou talvez seja eu uma extensão delas.


Do alto dos seus 94 anos de existência, paira, soberana, entre estas pessoas, a minha mãe, Aurora, símbolo maior do amor maternal.


O meu querido Flávio, companheiro e suporte de todas as horas.


O meu inesquecível sogro, Manoel Antônio da Silva, legítimo substituto do meu pai, Gustavo Bezerra, que Deus chamou quando eu ainda contava com 4 anos de idade.


As minhas irmãs, Lícia e Márcia, os meus cunhados, Evaristo e Humberto, e meus sobrinhos. Todos partes de um sólido núcleo familiar que se mantém unido pela amizade incondicional.


Esse núcleo que tenho orgulho de integrar foi ainda muito cedo privado da presença física do meu saudoso irmão, Paulo, que se foi, mas deixou em seu lugar os filhos, Fernanda e Gustavo.


Mas não somos formados apenas por aqueles que integram o nosso passado. Também recebemos as influências dos que representam o nosso futuro. É o caso dos meus filhos Anna Paula, Anna Carolina e João Bernardo, ao lado dos meus genros Bernard e Salomão.


E olhando ainda mais para o futuro, quando pensei que não havia mais promoção a almejar, fui seguidamente promovida, por três vezes, por merecimento, à qualidade de avó, com as vindas de Anaís, de Clara e de João Lucca, netos que alimentam, com todo viço, a chama da minha vida.


Mas não só na minha família encontrei pessoas que se inclinaram para me alavancar. Também daqui, deste Tribunal, vieram forças benfazejas inesquecíveis, dentre as quais a força da confiança que em mim foi depositada pela unanimidade dos meus insignes pares, ao me elegerem presidente da Corte.


E não poderia ser outra, que não esta, a hora apropriada para o agradecimento público que faço, com as janelas do coração abertas, para dois magistrados que, de modos diferentes, tiveram importância decisiva na minha carreira: aos Desembargadores do Trabalho Maurício dos Santos Pereira e Dolores Correia Vieira, a minha reverência.


Assumo, assim, a presidência deste Tribunal, trazendo, comigo, porções dos meus familiares, dos meus amigos, dos meus mestres acadêmicos e da vida e de tantos quantos, mesmo sem saber, contribuíram para a minha formação.


Manifesto a todos a minha profunda gratidão e o faço na pessoa do meu paraninfo de formatura, compadre e amigo Thomas Bacellar.


Conto com a valorosa presença, como integrantes da mesa diretora desta Casa, dos Desembargadores Raymundo Antônio Carneiro Pinto, na Vice-Presidência; de Vânia Jacira Tanajura Chaves, na Corregedoria Regional; e de Delza Maria Cavalcante Karr, na Vice-Corregedoria. São três magistrados da mais elevada estirpe. E, para a minha pessoal satisfação, três amigos.


Além disso, o destino me propiciou a sorte de assumir a presidência sucedendo um grande amigo, o Desembargador Paulino Couto, lutador incansável.


A sua passagem pela presidência deste Tribunal, Desembargador Paulino, deixou marcas que jamais serão esquecidas, e a principal delas surgirá visível, palpável, materializada na construção da nova sede da Justiça do Trabalho, com um projeto de autoria do renomado e visionário arquiteto João Filgueiras Lima, o Mestre Lelé.


Este projeto que tem a sua marca, Desembargador Paulino Couto, cessará com o dispêndio de recursos com o aluguel de prédios que, improvisados, não atendem às necessidades do público que a eles acorre.


Mas há ainda outros que chegam comigo à administração desta Casa: os servidores que foram por mim cuidadosamente escolhidos.


No processo de escolha foram cinco os critérios que levei em conta. O primeiro, a competência. O segundo, o terceiro, o quarto e o quinto, a confiança.


Comporemos, eles e eu, um todo, a serviço dos desembargadores, dos juízes de primeiro grau, dos servidores, dos advogados e, acima de tudo, dos jurisdicionados.


Trabalharemos, juntos, para fornecer aos órgãos julgadores os meios indispensáveis para o exercício da atividade jurisdicional.


É esta, senhoras e senhores, a missão que me foi atribuída e da qual hoje começo a me desincumbir.


Antes, a minha contribuição para a promoção da paz social se dava por meio do proferimento de decisões jurisdicionais. Agora, diferentemente, a minha maior contribuição consistirá em fornecer meios para que as decisões sejam proferidas.


Seguindo o exemplo de Inácio de Loyola, não perderei de vista que o meu objetivo continua, na essência, o mesmo: contribuir para a construção da paz social. Naturalmente, com um evidente acréscimo de responsabilidade.


E identifico, neste momento solene de assunção desse acréscimo de responsabilidade, os olhares solidários de quantos aqui estão presentes.


Tomo, assim, a presença de todos, como um generoso gesto de solidariedade.


Gesto que também foi praticado pela Universidade Federal da Bahia, por meio do seu Magnífico Reitor, Naomar Monteiro de Almeida Filho, ao nos abrigar num momento em que o espaço físico de que dispõe o Tribunal se revela insuficiente.


Impulsionados pela força que emana desta solidariedade, navegaremos por diversos mares, sem temer o fato de que, em alto mar, não há rastos, nem estradas, nem balizas.


Há, sim, os horizontes remotos para os quais marcharemos.


Mas há, sobretudo, o Céu, para onde dirigimos os nossos olhares e o nosso coração, rogando a Deus que nos mantenha fortes para o cumprimento deste mister.

 


Muito obrigada.