TRT5-BA discute no TST estratégias de combate ao trabalho infantil

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) iniciaram nesta quinta-feira (25) o 4º Seminário Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem. Nos dois dias de programação, as representantes do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT5) e gestoras regionais do programa, desembargadora Maria das Graças Boness e juíza Dorotéia Azevedo, traçaram estratégias de combate à exploração da mão de obra de crianças e adolescentes e para buscar propostas que promovam a aprendizagem, ao lado de membros do Governo Federal e de instituições internacionais (clique aqui para ler a Carta de Brasília, com deliberações aprovadas no evento).

Empenho - Ao abrir o seminário, o presidente do TST e do CSJT, ministro Brito Pereira, enfatizou a necessidade de empenho das pessoas e das instituições em ações visando não apenas ao presente, mas também ao futuro da infância e da adolescência. “Não temos mais o direito de ignorar as dificuldades passadas pela nossa juventude. Temos o dever de salvá-los”, afirmou.

A ministra Kátia Magalhães Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, destacou que a sociedade brasileira precisa reafirmar os compromissos com os princípios fundamentais da Constituição da República. “Como aceitar que dois milhões de crianças sejam exploradas no trabalho infantil?”, questionou. “É chegada a hora de reler e de aprender o sentido da nossa Constituição”.

Também presente à abertura, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que o Poder Executivo compartilha das mesmas preocupações com o futuro das futuras gerações. “Esse desafio é permanente”, assinalou. “A iniciativa do Tribunal merece todo elogio e todo o nosso engajamento”.

A mesa de abertura foi composta ainda por representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ao centro, ministra do TST Daleíde Miranda Arantes

Trabalho infantil escravo - A conferência de abertura foi proferida pelo jornalista Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil. Ele procurou mostrar a conexão entre trabalho infantil e trabalho escravo. “Os dados indicam uma forte correlação entre letramento, baixos índices de escolaridade e vulnerabilidade para o trabalho escravo”, afirmou Sakamoto, ao apresentar gráficos com estatísticas do Ministério do Trabalho e da Comissão Pastoral da Terra. “Os baixos níveis de educação contribuem para a vulnerabilidade dos trabalhadores ao tráfico de seres humanos e à escravização”.

Outra conexão apontada foi entre as experiências passadas de pessoas com o trabalho infantil, nas quais crianças e adolescentes são envolvidos com o trabalho, e não com a escola, e os padrões subsequentes, como o trabalho escravo como adultos. “A maioria dos trabalhadores escravizados começou a trabalhar na infância”, assinala o jornalista. “O combate a esses dois problemas, portanto, precisa estar conectado”. Daí, segundo ele, a necessidade de ações coordenadas e de políticas públicas de universalização do ensino básico. Como exemplo, citou os programas de transferência de renda condicionados à manutenção das crianças na escola, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Família.

Como reflexão final, Sakamoto afirmou que o Estado brasileiro não deveria ser um ente apartado do povo, mas servir ao povo e atender às suas necessidades. “A falta de fé no Estado brasileiro, no poder público e nas instituições ajudaram a chegar ao ponto em que estamos agora, que é um ponto extremamente complicado para a manutenção da nossa própria democracia”, afirmou. “É necessário trazer novamente as instituições para o desafio de fazer sentido novamente para as pessoas que elas deixaram para trás na esteira do desenvolvimento econômico dos últimos anos”.

Visão internacional - No painel “Os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e a erradicação do trabalho infantil no Brasil e no mundo”, o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Martin Hahn, apresentou diversos dados que demonstram que o trabalho infantil limita o desenvolvimento pleno das crianças, condenando-as à condição de pobreza. Segundo Hahn, a pobreza é o fator determinante para a ocorrência de trabalho infantil. “Quanto mais aumenta a insatisfação das necessidades básicas (saúde, educação, moradia), aumenta proporcionalmente a taxa de trabalho infantil”, afirmou.

O especialista enumerou como desafios atuais para combater o trabalho infantil e estimular a aprendizagem a construção de uma ponte para a busca de um emprego juvenil decente, o aprimoramento das estratégias de transição da escola para o trabalho, o fortalecimento da aprendizagem para inserção dos adolescentes no mundo formal do trabalho, a conquista de uma escola que acolha as crianças em período integral, o engajamento dos municípios em projetos de aprendizagem, a importância do diálogo social, o aprimoramento das políticas para o campo e a busca da construção de um conhecimento coletivo na tentativa de efetivar ações para erradicar o trabalho infantil. Por fim, destacou que é preciso “passar da intenção à ação” e lutar para que o Brasil esteja livre do trabalho infantil até 2025.

No encerramento de sua exposição, Hahn citou uma frase do ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) Ban Ki-Moon: “Somos a primeira geração que pode erradicar a pobreza e a última geração que pode salvar o planeta”. Isso, segundo o diretor da OIT, se estende à erradicação do trabalho infantil.

No mesmo painel, o professor Valério de Oliveira Mazzuoli, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), falou sobre o controle de convencionalidade e as Convenções 138 e 182 da OIT, que tratam da questão do trabalho infantil. O controle de convencionalidade é um instrumento equivalente ao controle de constitucionalidade – só que tendo como paradigma as convenções e tratados internacionais, em lugar da Constituição da República. Trata-se, portanto, de adaptar as leis internas aos comandos das convenções internacionais, invalidando as que foram contrárias a elas.

Para Mazzuoli, é obrigação do magistrado, ao decidir, levar em conta os princípios internacionais relativos à matéria em julgamento. “Num caso que envolva o trabalho de uma criança do sexo feminino, indígena, refugiada e com deficiência, a decisão deve considerar todos os princípios da ONU relativos aos direitos das crianças, das mulheres, dos indígenas, dos refugiados e assim por diante”, exemplificou. “Nesse caso, a sentença beirará a perfeição”.

Na sua avaliação, a Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário que tem dado o melhor exemplo nesse sentido no Brasil. “Há uma porta aberta para a interpretação do Direito Internacional”, concluiu.

Sistema de Justiça - “O sistema de Justiça e o combate ao trabalho infantil” foi o tema geral do segundo painel. A primeira expositora foi a desembargadora Margareth Costa, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) e conselheira da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), que tratou da formação de juízes, procuradores, advogados e integrantes do sistema de garantias para o tratamento do trabalho infantil. A desembargadora pediu que todos os magistrados refletissem sobre a adoção de uma nova postura ética por parte das escolas judiciais e de um compromisso de acolhimento que possa dignificar vidas e contribuir para a construção de uma nova ordem humanitária que traga afetividade e fraternidade.

"Faz-se urgente traçar um roteiro novo de libertação em que não há acaso, firmando uma nova pedagogia, a do afeto, que tenha por guia a compaixão e o conhecimento”, defendeu. “Embora pareça simples, proponho uma pequena revolução”. Para a desembargadora, a Justiça deve se firmar como garantidora de direitos e deveres para aqueles que estão sob a sua rede de proteção.

O desembargador João Batista César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT da 15ª Região (Campinas/SP), falou sobre a experiência bem-sucedida dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência (JEIAs) na Justiça do Trabalho. Os JEIAs foram criados para julgar casos envolvendo crianças e adolescentes e, principalmente, ações civis públicas visando ao cumprimento da cota de aprendizagem pelas empresas. "Queremos ser mais um integrante na rede de proteção das crianças e dos adolescentes", afirmou.

O advogado trabalhista Luis Carlos Moro, presidente da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra), finalizou o painel tratando do papel da advocacia no combate ao trabalho infantil. Ele pediu a todos os advogados que se engajem nesse compromisso. "A vulnerabilidade da infância é um traço igualador quase tanto quanto a morte dos seres humanos. Esse aspecto faz com que tenhamos que nos imbuir do espírito de sermos protetores obrigatórios da infância e da juventude. É uma questão moral e profundamente ética", afirmou.

Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais infantis - O painel que abordou o tema contou com a participação do juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho Homero Batista Mateus da Silva e do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

O juiz Homero Mateus da Silva falou sobre o trabalho precoce como uma tragédia anunciada. Para ele, o principal ponto não são as estatísticas, mas a discussão em torno da aprendizagem. Segundo ele, a diferença entre a idade fixada na Constituição e na Convenção 138 da OIT “causa uma confusão nas pessoas, que ficam sem saber a diferença entre menor aprendiz e jovem aprendiz”. Outro ponto ressaltado em sua exposição foi o problema dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Para ele, trata-se de uma questão complicada: por um lado, as indústrias não podem fabricar EPIs para crianças; por outro, muitas morrem por acidente de trabalho.

O desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira falou sobre danos materiais e morais decorrentes de acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes e explicou as diferenças entre dano patrimonial, existencial e moral. O desembargador também tratou dos direitos da criança, do adolescente e da família em caso de morte e das singularidades envolvendo a indenização no caso de acidentes com crianças ou adolescentes. Uma delas é a liberação de valores, que só pode ser feita depois que a criança ou o adolescente completar 18 anos.

De acordo com o magistrado, é culpa do empregador quando o acidente ocorre com alguém abaixo da idade mínima permitida para o trabalho, atuando em trabalho insalubre e sem treinamento e orientação adequada. “Uma das grandes responsabilidades do empregador é treinar o empregado para o trabalho, e muitas vezes o menor está ali improvisando”, destacou.

O desembargador observou que houve um período de indiferença das pessoas em relação ao trabalho infantil. Mas, na sua avaliação, agora o inconformismo está maior, e logo a sociedade não vai mais tolerar o trabalho precoce.

Fonte: TST (com edições da Secom TRT5) - 26/20/2018