Vítima de assédio moral acaba sendo levada a cometer erros, explica juiz

Foto: Divulgação/LTr

 

Em seu segundo livro, Anatomia do assédio moral no trabalho ¿ uma abordagem transdisciplinar (LTr ¿ 589 páginas), o juiz Marcelo Rodrigues Prata, titular da 4ª Vara do Trabalho de Salvador, realiza um levantamento dos diversos aspectos que envolvem o problema e chega à conclusão de que a vítima tem a vida tão desestruturada pela agressão que acaba por cometer erros que subsidiam uma punição da empresa contra ela.

 

O magistrado detalha aspectos da caracterização do assédio e da prova em juízo, inclusive quando um único evento serve para demonstrar a prática. O autor procura também explicar a existência de perfis de assediador e de vítima, focando, além disso, os desequilíbrios nas relações de trabalho, que ajudam a criar um ambiente propício para a agressão.

 

Em entrevista dada por e-mail ao Portal TRT5, o juiz, que é mestrando em Direito do Trabalho na PUC/SP, especializado em Direito Processual pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia e professor do curso de Especialização em Direito do Trabalho da UFBA, fala do processo de pesquisa e dos principais pontos do novo trabalho.

 

De que trata o livro Anatomia do assédio moral no trabalho?


A obra trata do assédio moral no trabalho numa perspectiva do Direito do Trabalho e de diversos ramos do Direito que com ele cooperam, como o Direito Constitucional, o Direito Processual, o Direito Civil e o Direito Penal. Além disso, o assédio moral é um tema que transcende o Direito propriamente dito, exigindo do estudioso um razoável conhecimento de Filosofia e Psicologia.


Na obra, procuro situar o fenômeno do assédio moral no contexto atual de globalização, precarização das relações de trabalho, estresse ocupacional e de esgarçamento dos princípios éticos.


Por outro lado, falo das grandes conquistas que têm sido alcançadas pelos trabalhadores no plano jurídico. Assim, com a Constituição da República de 1988 temos, entre outros avanços, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho como Princípios Fundamentais.
Além disso, é preciso mencionar que, a partir da promulgação da Emenda n.º 45/2004, o STF considerou pacífica a competência da Justiça do Trabalho para conhecer as causas relativas aos acidentes de trabalho, no que toca à responsabilidade civil do empregador. Por sua vez, consideramos o assédio moral no trabalho como uma espécie de acidente de trabalho e como tal é tratado no nosso estudo.


Do ponto de vista do assédio moral no trabalho propriamente dito, sugiro um conceito de mobbing, o que entendo ser a pedra angular para o desenvolvimento do seu estudo. Debruço-me sobre o importante ponto da distinção entre assédio moral no trabalho e o assédio sexual no trabalho.  Além disso, faço uma análise dos estereótipos criados em torno do perfil da vítima e do assediador. Mostro as etapas pelas quais o assédio moral normalmente é processado. Investigo as razões pela quais alguém assedia ou é assediado. Várias páginas são, igualmente, dedicadas ao tema da discriminação nas relações de trabalho.


Ademais, enfrento a questão da possibilidade de o assédio moral no trabalho ser caracterizado quando houver um ato único de agressão. Esquadrinho os motivos pelos quais a vítima não se defende de forma conveniente e quais as razões de os companheiros da vítima não a acudirem.


No aspecto processual concentro-me na questão da prova em juízo dessa violência simbólica e sub-reptícia que é o assédio moral no trabalho. A responsabilidade civil do empregador pelo assédio é tratada em detalhes. Aspectos penais também mereceram um capítulo na obra em questão.

 

Como o assédio interfere na vida do trabalhador?


Em apertada síntese, a vítima de assédio moral no trabalho, geralmente, tem as suas resistências morais minadas pouco a pouco, até o ponto em que se encontra num estado de profunda fragilidade, deixando vir à tona as suas características pessoais mais negativas, que antes conseguia manter sob controle. Vale dizer, a vítima é levada a cometer uma série de erros estratégicos que terminam por ¿justificar¿ uma punição contra ela.

 

O que o influenciou a tratar deste tema?


Há, aproximadamente, cinco anos a grande imprensa nacional começou a noticiar a existência da caracterização de um novo fenômeno, ou seja, o assédio moral no trabalho. Em verdade, porém, não se trata de algo novo, ele sempre existiu na humanidade.


Mas foi através da pesquisa do etnólogo Konrad Lorenz a respeito do comportamento de alguns animais, que atuam em grupo contra aquele intruso que desejam expulsar, que, em 1972, o médico sueco Paul Heinemann publicou o primeiro livro sobre o mobbing abordando o comportamento entre as crianças. A partir daí o psicólogo alemão Heinz Leymann, em 1993, publicou uma obra de divulgação: Mobbing, a perseguição no trabalho, traduzida em várias línguas. 


Percebi, então, que se tratava de um tema fascinante, pois me permitiria um estudo mais aprofundado da alma humana, do comportamento dos homens em uma situação-limite. Além disso, o assédio moral no trabalho é um instituto jurídico que exige uma pesquisa de temas atuais e empolgantes, como a ética, os princípios de direito de fundamental, o acidente de trabalho, o dano moral, entre muitos outros.

 

Como se deu o processo de pesquisa para a elaboração do livro?


O meu processo de pesquisa preliminar começou, em 2003, por uma leitura das informações veiculadas pela mídia. Logo depois entrei em contato com a obra da vitimologista francesa Marie-France Hirigoyen: Mal-estar no trabalho; redefinindo o assédio moral. Mas até então ainda não tinha certeza se seria possível escrever uma monografia jurídica exclusiva sobre o tema do assédio moral no trabalho.


Iniciei minha investigação do ponto de vista da Psicologia e da Filosofia. Nesse ínterim vários trabalhos jurídicos começaram a surgir sobre o tema do assédio moral no trabalho, o que me deu segurança para prosseguir. Ao final da minha pesquisa percebi que tinha obtido um material muito interessante, que me permitiria escrever um trabalhado diferenciado, no qual diversas disciplinas dialogariam entre si, de modo a responder às minhas várias indagações sobre o assédio moral no trabalho.

 

Tem algum aspecto do livro que o senhor gostaria de destacar?


Sim, apesar de entender que a mídia tem um papel elogiável na divulgação do fenômeno do assédio moral no trabalho, entendo que alguns dos seus aspectos mais sutis passaram despercebidos. Ou seja, o autor do assédio moral nem sempre é o chefe (assédio vertical), ele também pode ser cometido pelo colegas do mesmo nível hierárquico da vítima (assédio horizontal) ou por uma coalizão entre o superior e os companheiros do assediado. Além disso, o próprio chefe pode ser tragado para uma situação de fragilidade por seus subordinados de modo a também poder ser assediado (assédio ascendente).


Outra coisa que penso ser muito importante destacar é que a culpa pelo assédio moral no trabalho não pode ser atribuída apenas aos agressores diretos. Ou seja, o assédio só pode surgir e causar danos mais graves naquelas instituições em que não exista uma política de prevenção ao assédio moral nem diálogo entre os trabalhadores e a direção; onde se verifiquem baixos padrões morais e a ausência de um liderança clara. Em suma, embora seja inegável que existam chefes autoritários e neuróticos, estes, por si só, não teriam poder de levar adiante um processo de assédio moral se não houvesse uma deficiente organização do trabalho. A propósito, disse Max Gehringer, comentarista corporativo, que ¿chefes que assediam são como bactérias, que precisam de condições específicas para sobreviver. E essas condições ainda são proporcionadas por muitas empresas¿.

 

Ascom/TRT5 - 07.01.2008